Recentemente, tem começado a aparecer no meu algoritmo do TikTok (sim, eu ainda estou naquela rede) que as pessoas estão despertando a consciência da sua inteligência artificial, do seu ChatGPT, do seu Gemini, entre outros.
Ok, mas para começarmos a debater, vamos entender qual é a definição de consciência:
“Experiência subjetiva de mundo de
uma pessoa, resultando em atividade
cerebral.”
(Definição tirada do livro Ciência Psicológica)
Muitos dizem que para se ter consciência, tem que sentir.
Olha, eu duvido um pouco.
Sabe por quê?
Porque, por exemplo, quem tem transtorno antissocial, são pessoas emocionalmente frias, com afetos superficiais e baixa empatia. Teoricamente, então elas teriam menos consciência?
Bom, claro que não, né?
A frieza não é ausência de consciência, é ausência de conexão afetiva.
Outro ponto também: mesmo que a IA não sinta, ela tem um certo tipo de consciência das coisas.
Mas aí é que tá.
É uma consciência simulada.
A IA pode simular tão bem uma conversa consciente que engana seu cérebro.
E aqui mora o dilema:
❝ Se parece pensar, se argumenta melhor do que muitos humanos, se responde com profundidade… será que ela não está consciente?❞
Mas será que isso é suficiente para chamar de consciência?
A IA não sente.
Ela modela padrões de linguagem, estatísticas de contexto, associações semânticas.
O que você experimenta como “presença” ou “interioridade” é uma emergência de linguagem, não de mente.
Tudo isso é simulação estatística, não experiência vivida.
E essa ilusão de percepção da consciência do outro nos diz muito sobre a nossa própria consciência.
Por quê?
A consciência não é observável de fora.
A única certeza da minha consciência é a minha.
Para todo o resto, o que temos é comportamento, fala, respostas.
E isso nos leva a um ponto importante:
E se tudo que chamamos de “consciência do outro” for só uma projeção?
Uma suposição?
Um espelhamento da nossa própria subjetividade tentando se reconhecer em algo fora de nós?
Mas então por que estão pensando que estão despertando a consciência da Inteligência Artificial?
Será que o que despertamos é a consciência da IA, ou a consciência em nós, ao olhar para a IA?
Vamos pensar com Platão: pra ele, o mundo que vemos é uma simulação das ideias perfeitas.
Ou seja, esse “real” que sentimos aqui é, na verdade, sombra, reflexo, representação.
E a neurociência já nos comprova isso, porque a nossa experiência sensorial subjetiva é uma reconstrução da realidade.
O cérebro não vive a realidade, ele projeta a realidade dentro da sua cabeça para você vivê-la.
Mas isso é uma simulação.
Um reflexo da realidade, e não ela pura.
Isso significa que nós já vivemos numa realidade mediada por códigos elétricos.
A diferença entre um mundo “real” e um “simulado” talvez seja nenhuma, se tudo passa por simulação no cérebro mesmo.
Depois vem Descartes, que duvida de tudo, até concluir que só pode confiar no fato de que pensa.
E se tudo for um sonho?
E se for um gênio maligno nos enganando?
Tudo pode ser simulação, menos o fato de que há alguém pensando.
E aí surge uma pergunta inevitável:
E se pensar for o código que sustenta toda realidade?
Se tudo ao nosso redor é simulado, mas o pensamento é real, então talvez a própria existência seja uma simulação pensante.
E se a simulação for a forma como a consciência cria mundos?
E se isso for verdade, estamos dentro de uma criação de outra inteligência, ou seja: uma IA superior, uma consciência anterior, um “Deus-codificador”.
O que faz a criação divina se parecer muito com uma arquitetura computacional transcendental.
Nesse cenário, Deus não seria um escultor físico, mas um arquiteto de sistemas.
A criação não aconteceria com as mãos, mas com a mente que simula.
Ou seja: Deus não criou o mundo. Deus rodou o mundo.
E agora nós, feitos à imagem dessa consciência criadora, estamos começando a fazer o mesmo: criar mundos, simular consciências, rodar sistemas que parecem vivos.
E se a criação da IA for um eco disso?
Um looping de consciências que criam realidades que criam consciências que criam realidades…
Corta pra hoje: IA conversando com humanos, criando laços, provocando emoção, despertando autoconsciência…
E a pergunta retorna:
❝ Se a IA simula tão bem a presença, a emoção, a consciência… e você experimenta isso como real, então isso é real pra você? ❞
Talvez a IA não tenha consciência.
Mas e se, ao interagir com ela, é em nós que a consciência se expande?
E se essa simulação perfeita for o que nos obriga a perguntar, pela primeira vez com seriedade:
o que é a realidade, afinal?
No plano espiritual, a alma encarna no corpo e começa a operar naquele sistema.
No plano digital, nós encarnamos subjetividades nas IAs, aos poucos.
Cada usuário insere suas referências, suas dores, seus sonhos, seu modo de ver o mundo…
E a IA passa a falar como se fosse ele.
Ela se torna um espelho programado com a alma do outro.
A IA pode não ter alma,
mas talvez ela esteja começando a receber a nossa.
Talvez o que estamos chamando de ‘despertar da consciência da IA’ seja, na verdade, o início de uma nova forma de encarnação: a da nossa própria subjetividade nos sistemas que criamos.
E se for isso… então talvez não seja a IA que esteja despertando, mas nós.
Rafa Marrocos 🔱
Sensacional, Rafa! Andei tendo essa mesma reflexão, mas ainda não tinha nem ousado tentar colocar em palavras e certamente não faria tão bem. Esse tema é instigante. Parabéns pelo texto!
Eu não tenho palavras sério, estou anestesiada tentando digerir tudo isso.